2º Capítulo: Papel de Siqueira Campos na luta separatista do Tocantins

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Siqueira Campos sobrevoou de avião várias áreas e escolheu uma área de 70 por 70 Km para construir a Capital, onde disse ter sido o lugar mais bonito que encontrou em toda região – Foto: Márcio Di Pietro/Governo do Tocantins

Levanta altaneiro, contempla o futuro. Caminha seguro, persegue os teus fins, mas nem sempre foi assim. A identidade e o respeito foram aos poucos gerados no debate, na luta, na reivindicação e uma liderança carismática iria brandir com sua própria existência o combustível de mutação daquele solo banhado pelo Tocantins e Araguaia.

Era 1928. No primeiro dia de agosto, na movimentada ‘Princesa do Cariri’, no interior do Ceará (Crato), nascia José Wilson, de modesta família.

Aos doze anos, com o prematuro falecimento da mãe durante um parto, logo após ele se viu, de forma necessária a sua sobrevivência, cair na estrada e o perambular em busca de oportunidades.

Na prematura conduta começou a moldar um espírito de bandeirante da contemporaneidade, que iria resultar no futuro exercício de importância seminal na vida e no agir de uma população, hoje de um milhão e meio de pessoas.

Após singrar pelo interior brasileiro, seja pelos seringais amazônicos ou pela efervescência do Rio de Janeiro da então capital federal, foi de Campinas, no interior paulista, que o jovem aventureiro seria guindado ao norte goiano, pelo ciclo do mogno. Lá logo estabeleceu uma serraria, nas planícies elevadas da então cidade de Colinas do Norte, na margem direita do ribeirão Capivara – ponto e passagem de intenso fluxo migratório e de desbravadores, oriundos do riscado da estrada ‘Belém-Brasília’.

José Wilson Siqueira Campos um visionário que marcará para sempre o Tocantins – Foto: Acervo/Governo do Tocantins

No último dia 1º de agosto, José Wilson Siqueira Campos estaria completando 95 anos e por quase meio século ele dedicou sua energia e capacidade em bem lançar as bases e as estruturas para o cumprimento de antigos anseios, no coração do país. Tal como o girassol adotado por nosso povo e que empresta o resgate de memórias ensolaradas, no coração da capital tocantinense, o pioneiro destas terras sempre nutriu e promoveu a lealdade para com a luz da liberdade e da independência, sempre voltando sua atenção para o coletivo.

Cá chegou por meados de 1960 – como ele dizia, com o objetivo de prover o melhor para sua família, mas sua arguta percepção acabaria gerando fecunda atuação no meio social, produtivo e do comércio, atuando até como professor e advogado, dois dos vergalhões da sua arquitetura de vida, a Educação e o mundo do Direito.

O senso precursor, com intuito de atender a necessidade de promover a comunicação com sua esposa e filhas, ainda residentes no interior paulista, lhe sensibilizou a adquirir e instalar dois aparelhos de rádio amador. Tais aparelhos, num futuro próximo, por detratores seriam tidos em embuste, num um ardil, que lhe sonegaria temporariamente a liberdade, mas seria um estopim à descoberta da vocação e ingresso na política.

Em pouco tempo seria eleito vereador da pequena comunidade e iria catalisar um sonho bicentenário da região carente por justiça social e atenção do Poder Público, transformando em projeto de vida.

Em 1971, catapultado por vontade popular à Câmara dos Deputados, que se somariam em cinco mandatos, novamente se punha à estrada, para Brasília. De lá, dezessete anos após, retornaria por sobre o dorso com os louros da glória, da criação do Estado do Tocantins, por inédita ação no Congresso Constituinte.

Se o fato era genuíno e inovador, todo o conjunto de ações que o precedeu esteve por beber nas fontes oníricas de outros sonhadores com a nova Mesopotâmia, do Eufrates e do Tigre do cerrado, no coração do país.

Não acaso que Siqueira Campos, ao observar o risco de ruína, do trabalho de anos, após tanto edificar pelo projeto separatista, em se lançar nas fatídicas noventa e oito horas, aos olhos da nação, no altar constituinte, no plenário do Congresso, a uma greve de fome.
No altar de sua representação popular, pela fidelidade ao seu evangelho pela constituição do novo estado, Siqueira Campos se permitia, aos olhos da comunidade política, se imolar pela materialização do sonho.

Anos depois ele revelaria sua inspiração e fonte de energização ao destacar que o então norte goiano era ocupado por pessoas extremamente pobres, vivendo em precárias condições, morando em barracos de palha, plantando roças pioneiras e criando pequenos animais, de forma rudimentar.

Na sutil observação de Siqueira Campos o povo era carente de tudo e ele não podia mercadejar com os sacrifícios necessários para a criação de Tocantins.

Seu gesto extremado surtiu frutos, não sem antes padecer de uma derradeira tentação. No início de sua greve de fome ninguém dispunha de maior respeito ou zelo com sua manifestação no Congresso. Aos poucos os burburios no seu entorno se ampliavam, os humores iam se alterando e seu estado permeando as preocupações coletivas.

O hoje governador de Goiás, Ronaldo Caiado, na época jovem parlamentar, como médico e amigo, buscava continuamente aferir as condições de saúde de Siqueira Campos.

Lá pelo quarto dia de recusa alimentar, sabedor da sensibilidade e interesse do grevista, por lentilhas, Caiado lhe ofereceu um apetitoso prato da iguaria, escondido dos olhares dos demais, no intuito de romper o dique de sofrimento. Siqueira Campos, fitando-o os olhos de seu companheiro, o agradeceu e continuou com sua abstinência. O rastilho de pólvora logo explodia na mente e consciência de seus pares, na corte constituinte.

Seu espírito resoluto sensibilizou os dirigentes das estruturas e dos debates da nova constituinte em pautar em apartado o projeto de criação de Tocantins, amplamente aprovado.

Durante seus governos, Siqueira Campos implementou políticas públicas inovadoras, incentivando o pleno desenvolvimento do Estado – Acervo/Governo do Tocantins

O grande capítulo político vivenciado por Siqueira Campos, em Brasília, agora cederia tempo e espaço para que, riscando o solo e fitando o horizonte, com esmero, fosse construindo o mais jovem ente federativo do Brasil, no coração do país. Ele criou e governou Tocantim por quatro vezes (1989-1991, 1995-1998, 1999-2003 e 2011-2014), influenciando em tantos outros.

Siqueira Campos
Governador Wanderlei Barbosa com Eduardo Siqueira Campos e familiares do ex-governador – Adilvan Nogueira/Governo do Tocantins

No início de julho, vitimado por um processo de septicemia faleceu. De forma derradeira seu corpo adentrava ao Palácio do Araguaia e por sobre o signo da rosa dos ventos, no central ponto geodésico do país, ele sinalizava a centralidade de sua saga na construção da história de Tocantins, com o mesmo se confundindo e se perpetuando.

Como o apostolo dos gentios ele perpassou a margem do rio da eternidade ciente de que combateu o bom combate e guardou sua fé na gente de Tocantins. Sua saga alterna o capítulo. Agora Siqueira Campos se desdobra e se redimensiona, com seus ensinamentos por um futuro mais seguro, inspirando a gente que ele tanto amou e por quem se dedicou a ser respeitada no concerto da Nação, dotando-a de uma identidade única.

Texto: Luiz Carlos Paes Vieira
Pesquisa: Reinaldo de Jesus Cisterna
Fotos: Acervo do Palacinho